segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Poema sem poesia


Há pouca poesia no poema
É mais poesia
a poesia que há dentro

Há poesia na solidão do poeta
e quase nenhuma no poema dele
ou no do outro, aquele outro

Na alma dele repousa uma protopoesia
firme e disforme conforme ele vive
E muito pouco vem para o poema

A poesia do encontro
e a do desencontro
diminutas ainda
são maiores do que a poesia toda
do maior poema

Há pouca poesia no poema
tão pouca poesia no poema
Há pouca poesia
Quase nenhuma poesia há

É que a poesia tem vida
A poesia tem alma também e
um pouco de vontade, o poema não

Nada a convencerá de que é objeto
De que é um ser e vive e sofre

A poesia da vida é prima
da poesia da alma e o poema
é filho bastardo

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A janela




Não dá pra um lugar legal
a visão dela não é muito inspiradora
não importa o horário ou a luz

De lá a Aurora não é empolgante
e nem o Crepúsculo do dia reconfortante

Através dela a visão é um tanto turva
e os vidros mantenho sempre meio sujos
não quero ver pela vidraça cristalina

Não uso cortinas

Agradeço a ela pela pouca luz de dia
e a noite pela penumbra azul que deixa entrar

Olho e sei que ela também olha pra mim
num olhar lamentoso suspirado que dá
de frente para meus olhos perdidos
em meio a vizinhança que perambula

E quando reflete os meus olhos
sonhando o céu impossível
sonha também em estar n'outro lugar
dando entrada a uma luz profunda
de um cenário que nem precisaria ser perfeito

Minha Janela

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

O menino e o homem



O homem que traz a casa nas costas
e o mundo todo em cima da cabeça
nos bolsos esperanças em pó e
o rosto molhado de memórias

O menino que ouve músicas das pedras
mesmo quando dorme brinca
meninos que se prezam brincam a sério
O boné dele é feito de futuro

O homem quando é velho viveu e
assim a vida teve todo o tempo de
apresentar-lo ao menino perdido e
o menino será o homem que será menino

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Aquilo



Aquele olhar que não lancei
mancha ainda minhas retinas
em cada cor e contorno
emoldurando meus olhares todos

Aquela palavra que eu não disse
existe em mim e nela
o sentimento não confessado
e o medo cujo tremor engoli

Aquele desejo que não se realizou
está aqui dentro e
o sonho me sonha todo dia
e à noite insone ele se vinga

Aquele carinho que não fiz
repousa à flor da pele
na esperança do encontro
querendo morrer num arrepio quente

E aquela felicidade fez morada
na casa da esperança
e pensa em ser pra sempre
ou pra nunca mais em memória só

Nos olhares
Nas palavras
Nos desejos e
Nos carinhos

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Lázaro


Quando você lembrar-se
daquela lágrima atrevida
a correr rente a dor
com ela a esperança
que se foi, ardida

Quando os olhos 
já desacostumados
com a alegria dos sorrisos
já ausentes há tanto
(sei lá o quanto) tente
buscar algo mais precioso

Certamente está lá
n'algum lugar sortudo
dentro bem fundo morando
ainda ao menos
a esperança do amor
a sair tirando
de si as ataduras
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