terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Ao poeta apaixonado



Um dia ele acordou por acordar
de um modo como queira
sem barulho, sem sobressalto

O dia era o mais belo jamais visto
jamais lembrado, pelo menos
um lindo dia para enganar-se redondamente

Sua disposição era diferente aquele dia
coragem, determinação, ousadia
ousadia tanta que ousou em sentir Alegria

Em meio a tantos ventos favoráveis
foi além e decidiu abrir mão
desapegar, dispensar, livrar-se

Pensou em nunca mais paixão
sonhou e, realizar o impossível
num dia com aquele seria possível

- Não é possível que não!

Escrevera então como acordara
por si só, sem motivo, sem motor
voaria, sem asas ou sem vento mesmo

Libertou-se então
saiu feliz na rua descalço
peito aberto, ao sol, ao ar, à vida

Depois frente a pena e a folha
inclementes feras famintas
redescobriu-se, bobo.

Voar sem asas
num céu sem ventos
O poeta sem paixão

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O famoso Palhaço



Ouvi falar de você, Palhaço!
Muito sei de sua fama
ela o precede em muito

Palhaço da cara pintada
Atrás deste nariz vermelho
debaixo desta peruca azul
dentro deste paletó folgado
calçado nestes sapatos enormes

Sob esta armadura, Palhaço
nada o atinge, é invencível
o ridículo não alcança, nem a dor
o medo ou o frio de estar sozinho
O Super-Palhaço

Conheço-te além de tudo isso
Carregas o mundo e ri
Ri de si mesmo, feliz
onde é muito mais engraçado

Sua bengala arma mortal
com que se defende
neste picadeiro permanente
cercado de leões
É de aço mas é de palha, Palhaço

Anda caprichosamente passo a passo
Devagar e de mansinho com cuidado
vai assim pisando de levezinho, Palhaço
tirando o peso do passo

Sabemos da sua sina de chorar
abafado pelo riso rasgado
voltar para o camarim e sozinho
tirar a maquiagem e o nariz
e a roupa colorida e a peruca
e já sem os sapatões
de frente com o espelho
encarar a própria cara lavada

E não se esqueça pois
existe atrás do nariz redondo
sob a peruca crespa
dentro do paletó de colarinho caído
há aí um coração que bate vivo
Vivo, um coração mesmo
mesmo que coração de Palhaço.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Taças de cristal



Em nada isso aqui se parece
com aquilo que imaginei que fosse
e que se prometeu há séculos
e que fez a vida parecer ter sentido

Mas eis que havia então uma promessa
na qual o verde prevalecia
e o doce e o suave viver
como que uma eterna tarde laranja
de leves brisas e sorrisos
na iminência da noite perfeita
digna das poesias de verdade

Mas, este imortal...

Mas promessas são taças de cristal
numa mesa de jantar posta
para o banquete dos chimpanzés

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Ser o que se é



Vida em que se anda como que vivo
sobre uma linha sempre em frente
a linha e os pés sobre a linha

Formidável areia que escapa
por entre os dedos um pouco
e a cada dia mais todo dia

Exercício quase assustador
juntar o que se foi com o que se é
e assim fingindo coerência

Fazendo força pra não dar na cara
essa dor que se sente e de repente
tendo que esconder arremedando
de indiferença a alegria que se tem
mesmo que uma efêmera felicidade

Entender porquês por métodos próprios
mesmo assim, e seguir crendo em sí
e se for o caso em algo maior
como um rinoceronte cor-de-rosa

Encontrar seu mote
e ajustar ao seu jeito

E quando ser o que se é
passa a ser uma escolha de quem é
a vida pode ter bem mais graça

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Sendo



Então é culpa nossa
sermos assim como somos?
Ou seria uma entidade independente
este tal humor?
É ele o porteiro d’alma
que deixa passar ou barra como quer?

Sou então como uma flâmula pequena
tremula com ao sabor do vento e vou
virando pra cá, pra lá com a brisa

Culpe-me por pensar e sentir e
sentir o pensado pensar o sentido
mesmo que sem qualquer sentido sempre

Se estou bem ou poderia estar melhor
ou pior, que diferença isso faz?

A culpa é minha e
não me sinto culpado por isso

As responsabilidades de minhas irresponsabilidades
recairão sobre mim todas, quem bom!
Assim como cada pequena consequência
de minhas inconsequências que quero integralmente

Em cada cor e em cada dobra e em cada detalhe
Naquilo em que me repito e me replico

Sou então um espelho que se quebra e
que em cada caco vai tornar-se um espelho outro
com sua própria reflexão dessa bagunça toda