sexta-feira, 26 de agosto de 2005

A liberdade nunca é real e Uma carta a um velho amigo

A Liberdade Nunca é Real

Se examinarmos um indivíduo isolado sem o relacionarmos com o que o rodeia, todos os seus atos nos parecem livres. Mas se virmos a mínima relação entre esse homem e quanto o rodeia, as suas relações com o homem que lhe fala, com o livro que lê, com o trabalho que está fazendo, inclusivamente com o ar que respira ou com a luz que banha os objetos à sua roda, verificamos que cada uma dessas circunstâncias exerce influência sobre ele e guia, pelo menos, uma parte da sua atividade. E quantas mais influências destas observamos mais diminui a idéia que fazemos da sua liberdade, aumentando a idéia que fazemos da necessidade a que está submetido.


Leon Tolstoi, in 'Guerra e Paz'


Uma carta a um velho amigo

Meu velho amigo,

Desejo sinceramente que quando estiver lendo isto esteja confortável, e soberano de tudo à sua volta.
Por quantas coisas passamos juntos, e agora com o distanciamento de tantos anos posso ver o quanto tudo aquilo que se perde da visão no horizonte do passado foi e é importante para mim.
Nossa vontade, ao menos aos meus olhos, não significa muito para quem vive debaixo do céu. Existem poderes muito maiores regendo nossas pegadas. No afã de nossa juventude, em plenos poderes ilimitados da adolescência, tínhamos tudo em nossas mãos, o passado o presente e o futuro, éramos tudo o quanto desejávamos e ainda mais, pois estávamos juntos na jornada de singrar os mares da vida: a total liberdade.
Tantos planos e coisas que podíamos ver nos anos à nossa frente, às víamos claras como o próprio ar, e se desfizeram por trás da cortina do tempo mostrando a cara feia da realidade que até então ignorávamos: toda liberdade é irreal.
A cada momento fazemos escolhas, não por opção nossa, mas por necessidade, este monstro que destruiu tanto pelo caminho e que afastou-nos, somente agora podemos nos reaproximar de novo, graças a esta carta. A vida cria demandas que nos forçam a enveredar por caminhos que não escolhemos, mas fazer o quê não é mesmo?
O que me confortou por este tempo todo é que o sentimento fraternal que nos ligava àquele tempo é o mesmo hoje, e se nos reencontrássemos por mais uma vez seria como sempre, Amizade, simples assim: Amizade.
Ainda somos jovens, ao menos no espírito, no entanto temos algumas responsabilidades a mais, e a maior delas é ter chegado até aqui carregando cada vez mais bagagem de memórias e conhecimento, o que traz comprometimento.
Convido-o, pois, caríssimo amigo, a enfrentar-mos juntos a vida à frente, deixando o passado e trazendo o aprendizado, com uma considerável vantagem sobre os mancebos super-poderosos de outrora, temos a nosso favor a já mencionada bagagem e não temos o anseio de abraçar o mundo, de dar o passo maior do que a perna a nos atrapalhar como no início.
Se puder venha comigo, juntemos nossos caminhos novamente. Não há tempo perdido, pois temos a cada dia mais um dia que valerá por dois se soubemos vive-lo, não há nada a temer, senão o medo, como disse alguém.
Sem pensar no que faríamos, mas sim no que faremos.
Um grande abraço, e se puder me ligue.
M.

terça-feira, 23 de agosto de 2005

Viu as estrelas

Caminhando pelo corredor
vinha com a mão direita
machucada, e torcia para não
encontrar conhecidos.

Num descuido deu um
encontrão em um
passante, desculpou-se
e para não ficar chato
ofereceu a mão em
cumprimento, temeu.

Recebeu um aperto
daqueles, quentes
viu as estrelas, e por
cima de um gemido doído
mordido e abafado disse:

-Oi, tudo bem? (ai)

terça-feira, 16 de agosto de 2005

O Dissipar da fumaça Branca

Parece até que perdi minha capacidade criativa, o poder de escrever, invejado por alguns. Se algum dia tive este poder, parece-me sinceramente que se foi.
Não tenho sido capaz nem sequer de escrever duas linhas que me agradem, não encontro a forma, o motivo, nem mesmo vislumbro a direção para onde apontar minhas palavras.
Como um fumante que acaba o cigarro, pareço ter dado a última baforada para o alto, o cigarro acabou, apagou-se em bituca, e não tenho em meu pulmão nenhuma fumaça a apresentar.
Em meus caminhos diários, em minhas não curtas caminhadas, tento organizar pensamentos de modo que, imagino, poderiam colocar-se em palavras, mas isto me parece claramente um trabalho oco, estéril, infértil.
E é assim que tenho me sentido, infértil, estéril, como água limpa, como areia seca. Meu orgulho interno pelo que escrevia, o prazer de observar minha meia-dúzia de fãs lendo, e sem saberem bem o porquê, elogiando meus escritos, até isso está se perdendo e se desfazendo na fumaça da última tragada.
Hoje tenho morrido apneico, se não tenho ar!
Gostaria de ser poeta, amigo das palavras, intimo delas, tão íntimo que as faria dar de si muito mais do que o de costume, extrair o mais profundo de cada uma delas, sua essência a ponto de modificar a alma do leitor, este pobre desavisado!
Ser ficcionista, criar o verossímil, a verdade que é mentira, a mentira verdadeira, aquilo que talvez possa não ter ocorrido, mas da ponta da pena transforma-se, realiza-se em todas as cores, loiro, moreno, ou negro, de noite ou ao entardecer, misturando em uma alquimia formidável, a força da ficção e a imaginação do leitor, que generoso, vai dar sua roupa aos fatos.
Seja num conto rápido, em uma estória longa ou num haikai, numa novela ou numa redondilha de qualquer tamanho, o escritor busca a realização nos olhos de quem lê e que naquela hora é seu cúmplice.
Mas eu não! Choro a constatação de minha desistência. Não passo de tentar.
A crise me acompanha, e tem ma acompanhado há tempos, e a maldita demonstra muito mais fôlego do que eu jamais terei.
A demanda do viver é única, pessoal, intransferível, e na base do “cada um com seus problemas”, vou como dá, buscando um espaço, um tempo e ar para continuar vivo, vivendo, sobrevivendo, sub-vivendo.
Neste momento, que é impar, manter-me vivo sobre meus pés e, na medida do possível, gozando do mínimo de minhas faculdades mentais, sigo o caminho, que já disse alguém em uma música, só existe para quem caminha nele, e deixo meu tentar escritor de lado, com todas suas fantasias e pretensões à beira do caminho.
E, triste, finjo manter o controle.

terça-feira, 9 de agosto de 2005

Ao menos uma vez

Se eu pudesse romper as barreiras da forma
As barreiras de língua
E ir além da poesia
Colocando pra fora aquilo que me pesa no pescoço
E me fere a folha com a pena

Encontrar A palavra mágica
E desvendar o mundo
Senhor Poeta
Perdoe-me por tocá-lo com tanta pretensão

Poderia ser mais completo como homem
Mais pleno, se ao menos uma vez
Pudesse tocar a busca
Tatear o livro certo, e a memória certa
Sairia desta escuridão em que dou com a cara na parede

quarta-feira, 3 de agosto de 2005

Momentâneos poéticos cotidianos

Sem a menor responsabilidade
Basta afinar a sensibilidade
Eles estão aí todos os dias
Ponteiros parados nas
Prateleiras da relojoaria

Flores murcham aos
Poucos na floricultura

No paredão elevam-se janelas
Umas apagadas e outras não
O Sol surpreende a Força Coletiva
Na metade do caminho
E ao pôr-se não encontra ninguém em casa

Mendigo que acorda e prefere não
Se levantar vê a moça no Taier
A equilibrar-se no salto
Falando ao celular

E chove de repente se fazendo arco
Quebrando o cinza hediondo
E lá no fim há um pote de ouro
Ouro para aqueles que vêem
E vendo acreditam