Afobado, perdido em seus horários e afazeres, submerso pelo trabalho em seu ritmo desumano, entrou sem perceber no elevador, décimo quinto rumo ao subsolo três e de lá para qualquer lugar de onde traria mais dinheiro.
Desviando-se de pensamentos inúteis como com que companhia aérea viajaria naquele ano ou sobre o último lançamento de sua montadora preferida, seguindo sua gravata tomou lugar no elevador vazio, no canto de costas para o espelho.
Assim que as portas fecharam-se, é bem verdade que somente seu corpo estava lá e sua mente já estava no destino, junto do cliente portando o talão de cheques, respirou.
As primeiras duas vezes foram pela boca, quando a cabine despencou levemente respirou pelo nariz e assim como um soco sentiu o perfume, um perfume que conhecia, um cheiro de sonho, de desejo, saudade, um soco no nariz.
Por um instante bem mais longo do que o necessário ele esteve em três lugares ao mesmo tempo, como um choque elétrico, como uma experiência religiosa, uma morte instantânea, estava ali com o corpo em algum lugar entre o décimo quinto e o décimo quarto, a mente nos negócios e a alma no passado.
O olfato é um sentido traiçoeiro, algumas vezes desenvolve vontade própria, vida própria. O nariz faz acordos espúrios com a memória, com os pensamentos e com os sentimentos, é certo que de seus acertos pouco sabemos.
O olfato pode controlar outros sentidos se quiser e desvia, cria, engana, fantasia... Não se engane, cuidado. Tudo isso ele pensou em menos de meio segundo mas ali tudo o mais se tornaria relativo, despencando entre um andar e outro, vinha com a rédeas nas mãos e fustigando com força o perfume dela.
Ressurgiu ali alguma coisa que o Tempo prometeu que estava morto e pelo que fora registrado oficialmente ocupava um túmulo frio fazia muitos anos. Estava ali na frente dele impondo-se uma lembrança saudosa, musculosa, atrevida.
Imaginou um leve abrir das portas em algum daqueles andares sisudos que traria o sorriso franco desapercebido, despreocupado, descuidado e levemente desgrenhado dela.
Ele descobriria logo que sua viagem nem pelo térreo passaria.
Quis, aliás, entre o décimo segundo e o sexto andar, talvez de um modo como há muito não desejara, que ela estivesse ali próximo, no prédio ao menos. Talvez, quem é que pode saber se a encontraria na recepção, no estacionamento ou na calçada, para olha-la ao menos, pra lembrar mais.
Juntou, organizou, catalogou, limpou e revisou toda sua coleção de memórias, aquelas que julgava perdidas e que agora ocupavam a prateleira central e percebeu que aquele cheiro agora estava morando em seu nariz por tempo indeterminado.
Tentando livrar-se daquilo que tanto tempo demorou a deixar quieto, chegou ao subsolo.
Ainda sentindo-se traído, saiu automaticamente do elevador, estava só no estacionamento, as portas frias fecharam-se lentas às suas costas.
Foi até o carro e num tranco tentou abrir a porta trancada ainda, quando enfim conseguiu entrar sentou-se e fechando os olhos respirou devagar, bem devagar.
O cheiro estava ali era ela de novo, e ele podia perceber só agora, era ela ali ainda.
Deveria ser só um perfume, mas era uma caverna profunda e a esta altura estava ele lá sentado no fundo dela sem saber se queria ou mesmo se podia sair.
O telefone tocou, ele atendeu, falou, ouviu, deu partida no carro e seguiu seu rumo.
Partiu feliz por descobrir que ele tinha sim, ao contrário do que pensava, coisas pra se lembrar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário