terça-feira, 20 de dezembro de 2005

Poeta de boné xadrez.

Tinha reservado um tema especial para este texto que considero especial. A coroação da sorte que beneficia aos bem preparados, ou aos insistentes como eu, mas nem tudo se pode controlar...

Andava meio perdido por ruas do bairro de Pinheiros, aqui em São Paulo, sabe quando você marca um encontro e chega bem antes ao local marcado, e para não ficar esperando sentado você vai dar uma volta? Então, fazia isto, ia para uma grande loja de livros, CDs, e eletrônicos que há perto dali. Bem ao lado da porta de tal loja, estava um rapaz franzino, baixinho, aparentando uns vinte e três anos de idade e usando um boné xadrez:

- Olá brasileiro, ele me abordou com alguns livros nas mãos. Posso lhe oferecer cultura?

- Sim, eu disse a ele parando para ouvir o que tinha a dizer.

- Este livro é obra minha, independente, dê uma olhada.

Era um livro fino e com uma capa simples, peguei livro das mãos dele e veio junto uma recomendação:

- Abra na página doze, esta é boa para os dias em que vivemos hoje!

Para minha surpresa era um livro de poesias, li e vi que eram versos decassílabos, um soneto falando da correria do dia-a-dia, parei por um segundo e pensei que a indicação que me fizera era por conta da gravata que eu usava, pois bem, correria por correria, li rapidamente duas vezes e gostei.

- Escuta meu jovem, você tem sorte e azar, sorte, pois gosto de poesia, e azar porque não tenho dinheiro algum.

- Não tem problema, já estou acostumado.

- Parabéns pela iniciativa, é tudo por sua conta?

- Sim. Autoria, diagramação, produção, impressão, editoração e vendas...

- E por que em versos fechados?

- Na verdade tem de tudo aí, este capítulo é só de sonetos, mais adiante, veja, tem versos alexandrinos e lá no fim, versos livres...

- Puxa! Isso é raro. Mas e aí, qual é o mote? Por que escreve?

- São tantos os motivos, mas neste livro o que mais está presente é a chamada de atenção que tento fazer para quem não pára, para o humano, aparentemente nenhuma novidade.

- É, lembro da história do velho que fazia um discurso inflamado de cima de uma caixa, no centro da praça de uma cidade do interior, ele pedia a mudança de pensamento do povo, que solenemente ignorava. Depois de trinta anos ele continuava lá, com o mesmo discurso. Perguntado por que não parava, ele disse que se parasse o povo o teria mudado, e ele lutava exatamente para mudar o povo.

- É isso! Parece esta sina do poeta, é muito difícil, mas...

- Também escrevo, não assim como você, luto contra a correria, toma aqui um cartão meu, me manda um e-mail, qualquer coisa, vamos trocar mensagens, idéias.

- Ah, pode deixar.

- Escreva qualquer coisa, nem que seja só um oi para que eu tenha seu endereço, a daí eu mando uma provocação.

- Pensei nas cartas dos modernistas.

- Não tenho tantas expectativas, mas não deixe de mandar uma mensagem quando puder.

- Fique tranqüilo, pode deixar comigo!

- Ah, e quanto custa? Só pra eu saber.

- Quinze Reais.

Até agora não recebi mensagem alguma, deve ser porque ele está em uma correria danada e não tem sobrado tempo para nada!

Estes têm sido nossos dias, comendo pelas pernas até mesmo os jovens visionários poetas de boné xadrez.

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