terça-feira, 13 de dezembro de 2005

Noite em claro.

Quando amanheceu o suor que molhava minhas roupas já havia secado e a lama, descascante, fazia minha pele coçar, meus cabelos negros eram castanhos-duros.

Àquela altura já não suportava a fome, mas o que mais incomodava de fato era a sede, eu poderia sentir o dobro daquela dor que sentia por um simples copo de água.

O desconforto dos pés descalços... Eu já imaginava o sofrimento que viria ao decorrer do dia, quando aqueles cascalhos que cobriam a estrada chegassem ao meio dia. A caminhada de volta não poderia durar muito mais.

Uma noite interminável confusa e cheia de lances que até agora não entendi. Parece que quando cheguei bem no início da tarde, eles já estavam à minha espera. Foi muita sorte minha, eu o detraído, ter percebido algo de errado assim que parei na entrada da garagem.

Pularam sobre o carro, eram vários, de todas as cores, com vários tipos diferentes de armas, uma verdadeira loucura, ficaram como carro, eu não sei como, fugi correndo, e parece que já haviam tomado a casa.

Fui perseguido, embrenhei-me no mato, o lamaçal engoliu meus sapatos, eles atiravam, as balas zuniam aos ouvidos. Não sei por quanto tempo os mantive longe, cansei-me, vários também cansados pararam, mas havia três, magros, altos, pretos e muito fortes que pareciam não se cansar nunca! Num tropeço caí, eles me cobriam pulando por cima de mim, tentavam me imobilizar, eram cordas e algemas, e eu de socos e mordidas.

Nunca fui esportista, atleta, ou mesmo forte, mas percebi que ali estava em jogo a minha vida, não sabia o porquê, mas sabia que aquela luta valia minha vida. Rolamos ali por bastante tempo, não sei o quanto, sei que foi muito.

Na briga quase morri, fui ferido na cabeça, no ombro, minha mão, quadril, minha coxa, meus braços pesados, um de meus algozes sumiu, fugiu, feriu-se não sei! Combati e fugi dos outros dois, eles falavam durante a perseguição e diziam um para o outro que não deviam mais me machucar, e que já pagariam caro pelo sangue que eu vertia, já me consideravam pego!

Jamais imaginei tamanho vigor em minhas pernas e braços, minha cabeça rodava no eixo do pescoço buscando um esconderijo, parecia impossível esconder-se apesar da mata fechada. Na correria cansada caí entre alguns arbustos, fiquei parado e a mata era molhada, galhosa, escondi-me ali, parado, com medo parado.

Ficaram à minha espreita, procuravam, diziam que eu não poderia ter ido muito longe, quando pude, subi em uma árvore, e passei para uma outra ao lado. Esperei e desci devagar ouvindo os soldados, quieto fugi das vozes.

Andei a outra metade da noite, saí em uma estrada do outro lado da mata, cascalho frio aos pés já não agüentava mais, nem sinal dos soldados pretos, então amanheceu.

Em meio a estas lembranças avisto minha casa. Ao contrário do que eu imaginei está intacta, temo um outro ataque surpresa, espiei por algum tempo sem chegar perto, portas e janelas do mesmo jeito que deixei na manhã de ontem: fechadas.

Assustado olho ao redor, de meu carro só os cacos dos vidro, e um rastro apressado para o além.

Em meus bolsos não tenho nada, a chave reserva da casa ainda está debaixo do vaso sem flores no quintal dos fundos. Com cuidado entro em casa, a dor, o sono, a fome, o frio, a sede e o medo acompanham-me e para mim nunca mais serão os mesmos depois desta noite de intimidade.

Chegando ao quarto estou eu, suando e rolando na cama, é um pesadelo. Paro, olho, não entendo, estou ali, e quando acordo e me olho no olho, desapareço.

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