
Todas  as terças era lá o almoço, no mesmo lugar, restaurante simples, toalhas  de plástico e pratos de vidro. O encontro com o careca narigudo era  sempre pontual, a troca de um rápido olá como dono do local, gordo,  bochechas rosadas, bigode portuguesíssimo que se enrolava nos cantos da  boca como que a invadindo. Aquele pensamento usual sempre lhe voltava à  cabeça, agradecia a Deus pelo ensebado ser o dono do lugar e não o  cozinheiro ou ele teria que abrir mão do picadinho e do refogado de  abobrinha das terças de que tanto gostava.
No  bufê de quatro cubas serviu-se como de costume, copiou o peso do prato  da semana passada, água com gás sem gelo, dois palitos de dentes e três  guardanapos. Chegava sempre mais cedo do que os outros clientes e assim  tinha sua mesa e cadeira, no canto do pequeno salão de pé-direito alto,  sempre reservados. O careca agora não era mais narigudo, ele se sentava  de costas. A nuca dele também era careca!
  
De  cabeça baixa nem via o restaurante se encher, falar cada vez mais alto e  bater copos e talheres. Naquela mesa travava-se uma guerra, dava a  última do mesmo modo como dava a primeira garfada e fim.
  
Não comia rápido por pressa e sim por hábito. 
Pagou  sua conta também rapidamente, já sabia o valor até mesmo nos centavos,  era assim há sei lá quantos anos, ou seriam décadas? Só as unhas do  gordo sebento é que estavam desta vez mais compridas e sujas, de resto  tudo igual. 
Saiu,  o restaurante ficava num posto de gasolina, tomou rumo do banco, na  calçada viu todos aqueles que sempre via naquele lugar e àquela hora. 
Eram  seis guichês, três funcionários: A gorda, o rapaz da gravata mais odiosa  jamais costurada e a loira feia, sempre ocupavam as mesmas posições.  Naqueles vinte e tantos minutos semanais de fila ele pensava em muitos  assuntos importantes, falava em silêncio consigo sobre a fome no mundo,  biocombustíveis, as taxas de juros e por mais que tentasse evitar sua  mente trazia a imagem e era inescapável. Aquela gravata maldita era,  talvez, a única coisa que o fazia sentir ódio de verdade. Tendo feito  tudo, com um aceno de cabeça saiu rápido cumprimentando o vigilante  baixote á porta. 
Na  padaria um café americano, americano pelo copo e não pelo café. Com isso  fecharia seu almoço, mas não antes de ver sua esperada. Com o copo na  mão fixava os olhos na porta que dava acesso ao escritório de  contabilidade que funcionava no segundo andar sobre uma loja de tecidos  do outro lado da rua. No fundo do copo o café esfriava enquanto esperava  ver a secretária do contabilista voltar do almoço. 
Na  espera apneica o fim café já morno no fundo do copo também esperava  enquanto ele pensava em como ela estaria hoje. Sandália amarrada nas  canelas, ele veio saber que eram chamadas romanas muito depois de tudo  isso, ou hoje seria o vestido, ou o terninho bege já surrado, mas que  vestia tão bem. Cabelos amarrados em coque  ou soltos ao  vento? Não importava, fosse como fosse ele já conhecia todo seu  guarda-roupas e já imaginara todas as combinações possíveis e  impossíveis de suas peças, e já vinha chegando a hora. 
Por seus cálculos os quatro minutos que separavam seu café quente da volta da esperada já haviam passado. 
Tomou  com a garganta o café gelado assim que desistiu de esperar. Talvez ela  tenha faltado, uma tia doente quem sabe, certamente ela não se  adoentava, era corada e parecia ser forte e saudável, nada de mais. 
Lamentou  não poder vê-la hoje e o quanto sua tarde seria triste e sua manhã  seguinte sem graça por isso, pois não poder contemplá-la deixava sua  vida gelada como aquele fundo de café. 
Pensava  estas coisas e seus olhos lamentosos ainda procuravam vê-la mesmo  sabendo que seria inútil, o contabilista trabalharia sozinho hoje, ela  realmente havia faltado no trabalho, apenas faltado como raramente  acontecia, nada mais, só isso, pensava e se convencia e se acalmava com  essa idéia. Amanhã tudo volta a ser como antes. 
Tomou  o rumo do escritório que nesta tarde seria um freezer sem o calor  daquela visão de sete segundos. Caminhou mais lento do que o lento de  todo dia, lento como quem não quer chegar. Num instante raro levantou a  cabeça e viu a multidão, um ajuntamento na esquina da grande avenida,  chegando mais próximo do burburinho percebeu os curiosos acotovelando-se  em volta de algo o qual ele não sabia o que poderia saber. Ninguém  poderia. 
Nunca  tivera este tipo de curiosidade, não era afeito a muita gente junta,  mas pelo que se podia ouvir enquanto contornava o vulgo ainda tentando  chegar ao escritório, agora como quem quer acabar logo com aquilo, é que  houve um atropelamento. Como mágica assim que ele virou a cabeça, a  massa humana abriu-se e  por ali pode ver o terninho bege ensangüentado.
A esperada foi morta pelo bonde.