"Um conjunto de versos pode dizer mais do que um livro inteiro e fala coisas à alma, ao coração e ao corpo, basta ficar nas pontas dos pés e se esticar para alcançá-las." Marcos Pedroso.
terça-feira, 29 de janeiro de 2013
Ao poeta apaixonado
Um dia ele acordou por acordar
de um modo como queira
sem barulho, sem sobressalto
O dia era o mais belo jamais visto
jamais lembrado, pelo menos
um lindo dia para enganar-se redondamente
Sua disposição era diferente aquele dia
coragem, determinação, ousadia
ousadia tanta que ousou em sentir Alegria
Em meio a tantos ventos favoráveis
foi além e decidiu abrir mão
desapegar, dispensar, livrar-se
Pensou em nunca mais paixão
sonhou e, realizar o impossível
num dia com aquele seria possível
- Não é possível que não!
Escrevera então como acordara
por si só, sem motivo, sem motor
voaria, sem asas ou sem vento mesmo
Libertou-se então
saiu feliz na rua descalço
peito aberto, ao sol, ao ar, à vida
Depois frente a pena e a folha
inclementes feras famintas
redescobriu-se, bobo.
Voar sem asas
num céu sem ventos
O poeta sem paixão
terça-feira, 22 de janeiro de 2013
O famoso Palhaço
Ouvi falar de você, Palhaço!
Muito sei de sua fama
ela o precede em muito
Palhaço da cara pintada
Atrás deste nariz vermelho
debaixo desta peruca azul
dentro deste paletó folgado
calçado nestes sapatos enormes
Sob esta armadura, Palhaço
nada o atinge, é invencível
o ridículo não alcança, nem a dor
o medo ou o frio de estar sozinho
O Super-Palhaço
Conheço-te além de tudo isso
Carregas o mundo e ri
Ri de si mesmo, feliz
onde é muito mais engraçado
Sua bengala arma mortal
com que se defende
neste picadeiro permanente
cercado de leões
É de aço mas é de palha, Palhaço
Anda caprichosamente passo a passo
Devagar e de mansinho com cuidado
vai assim pisando de levezinho, Palhaço
tirando o peso do passo
Sabemos da sua sina de chorar
abafado pelo riso rasgado
voltar para o camarim e sozinho
tirar a maquiagem e o nariz
e a roupa colorida e a peruca
e já sem os sapatões
de frente com o espelho
encarar a própria cara lavada
E não se esqueça pois
existe atrás do nariz redondo
sob a peruca crespa
dentro do paletó de colarinho caído
há aí um coração que bate vivo
Vivo, um coração mesmo
mesmo que coração de Palhaço.
terça-feira, 15 de janeiro de 2013
Taças de cristal
Em nada isso aqui se parece
com aquilo que imaginei que fosse
e que se prometeu há séculos
e que fez a vida parecer ter sentido
Mas eis que havia então uma promessa
na qual o verde prevalecia
e o doce e o suave viver
como que uma eterna tarde laranja
de leves brisas e sorrisos
na iminência da noite perfeita
digna das poesias de verdade
Mas, este imortal...
Mas promessas são taças de cristal
numa mesa de jantar posta
para o banquete dos chimpanzés
terça-feira, 8 de janeiro de 2013
Ser o que se é
Vida em que se anda como que vivo
sobre uma linha sempre em frente
a linha e os pés sobre a linha
Formidável areia que escapa
por entre os dedos um pouco
e a cada dia mais todo dia
Exercício quase assustador
juntar o que se foi com o que se é
e assim fingindo coerência
Fazendo força pra não dar na cara
essa dor que se sente e de repente
tendo que esconder arremedando
de indiferença a alegria que se tem
mesmo que uma efêmera felicidade
Entender porquês por métodos próprios
mesmo assim, e seguir crendo em sí
e se for o caso em algo maior
como um rinoceronte cor-de-rosa
Encontrar seu mote
e ajustar ao seu jeito
E quando ser o que se é
passa a ser uma escolha de quem é
a vida pode ter bem mais graça
quarta-feira, 2 de janeiro de 2013
Sendo
Então é culpa nossa
sermos assim como somos?
Ou seria uma entidade independente
este tal humor?
É ele o porteiro d’alma
que deixa passar ou barra como quer?
Sou então como uma flâmula pequena
tremula com ao sabor do vento e vou
virando pra cá, pra lá com a brisa
Culpe-me por pensar e sentir e
sentir o pensado pensar o sentido
mesmo que sem qualquer sentido sempre
Se estou bem ou poderia estar melhor
ou pior, que diferença isso faz?
A culpa é minha e
não me sinto culpado por isso
As responsabilidades de minhas irresponsabilidades
recairão sobre mim todas, quem bom!
Assim como cada pequena consequência
de minhas inconsequências que quero integralmente
Em cada cor e em cada dobra e em cada detalhe
Naquilo em que me repito e me replico
Sou então um espelho que se quebra e
que em cada caco vai tornar-se um espelho outro
com sua própria reflexão dessa bagunça toda
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