segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Fugaz Sonho Furtivo

Um antídoto para o tempo.
O freio que reduz o corre-corre.
Interruptor que acende a lua.
Uma válvula para drenar a chuva.
Zíper que abra o céu fechado.
Uma lata de tinta laranja a pintar todas as tardes tristes.
Uma tela full HD para assistirmos o passado feliz
E a pílula de esquecimento específico.
Controle remoto para controlar o desejo.
Um bolso meu onde caiba minha aflição.
Um calendário de preferências.
A amizade com o Destino.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Conversa com a Saudade


Hoje a saudade, de quem não estive saudoso, confesso
fez-se presente ante sua imagem vista na memória

Só que desta vez ela, a Saudade, falava sem pigarro
numa voz firme e num esmero na dicção de dar gosto

Hoje ela alcançou uma outra dimensão, uma nova profundidade
Alguma coisa diferente, como que mais completa

Não mais profunda, mas clara e mais eloquente
fala palavras vivas num som cristalino, a Saudade

Cheias de novas significâncias, conversam com o futuro
Com um conjunto de desejos, sonhos e orações...

Querendo sim, ser feliz e viver o não vivido, é de arrepiar!
Mas também falam de um passado sortudo, muito

E contam toda a história saudosa, essa sim
Deixou no ar o cheiro de felicidade e no chão o rastro do riso

Usa hoje nesta conversa, um outro tom em sua voz
Dizendo aquelas mesmas palavras tão usadas já

É outra música através de novos instrumentos, estes
acompanhando aquela mesma letra do poeta Bobo, ele

Uma outra vela num outro barco ao mesmo vento
a singrar aquele velho mar, oceano de suor

A Saudade, ela
saudade sua

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Golpe

A vida deu-lhe duro golpe, indefensável
inesperado também mas não surpreendente
uma sinuca de bico daquelas em que é mestre

Mestre que antes do frio deu o cobertor
imaginar assim conforta o coração
acreditar que o peso maior recai e sempre recai
mas cai sobre os ombros mais largos

E assim a provações mais severas
seriam sinal de que és mais
és maior do que se achava ser

Só resta levantar-se, devagar
e esperar que a contagem até dez
faça o mundo parar de girar à sua volta
e que a respiração volte ao normal

Prepare-se para o próximo que se chama Ainda Pior
e saiba, o jogo não acaba
enquanto houver bolas coloridas sobre a mesa
e que a luta não terá fim enquanto houver alguém em pé
enquanto você estiver de pé

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

O avião de papel

Para mim pouco importa ou quase nada se agora mesmo estou voando e não penso se não tenho motor e que agora mesmo o chão frio e molhado está à minha espera certo de que vai terminar com este e todos os outros voos em que eu poderia despentear minhas madeixas, neste momento em que somos o vento, o céu, eu e minhas asas, as escolhas todas ficaram fáceis e eu só quero mesmo fazer o que eu quero e voar sem pensar em nada mais é o que tem que ser feito!  Meu voo e eu somos eternos quando estamos no ar.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Ninguém


Afogo-me em tudo que é meu
as certezas e os arrependimentos
todos fazem parte de mim
e habitam definitivamente
a fauna e flora natural
do meu dentro por dentro

Tanta água sendo em mim
e aquela que me molha
e submerge fazendo voar nadando
e no nada mais profundo
cristalino e honesto de mim
pra mim mesmo e em tudo
que não presta pra ninguém

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Sorte de quem vê

Logan Zillmer
Queria as coisas diferentes
mas elas são iguais
muito iguais quando são
assim como são porém
agradam a alguns
desagradam a outros

Mas o que se vê
quando se quer
é que elas são
assim como são e não

Não consideram quem
se a agrada ou se desagrada
É como o nascer do sol
que não pergunta
se você dormiu e
nem a chuva quer
saber se trouxe ou
não seu guarda-chuva-chinês

Assim  como são, são
com ou sem sua reclamação

Se as coisas são iguais
que nosso olhar seja
Diferente e azar da gente!

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Os espelhos todos

http://www.simon-birch.com/
Simon Birch
Ao espelho
olha, e vê
que o olhar
não vai, mas vem

E quando vem
revela aquilo que
em sã consciência
não se quer

Somos
tão pequenos
caprichosos Nadas
a vagar sob o firmamento

Nem mesmo o Céu
Soberano sobre todos
iluminando e escurecendo a todos
quis um querer assim

Nada mais poderia
querer mesmo assim
queremos mesquinharias
todos os dias, os dias, os dias

Alguma alternativa ainda há
furamos nossos olhos
ou entupimos nossos ouvidos
Vou quebrar todos os espelhos!

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O Gigante de nós dois

A gente forma um
somos dois que são um
e faz tanto tempo isso

Dá a impressão que é isso
coisa que acontece por aí
comum, mas não!

Deste modo como a gente faz
este um que a gente forma junto
não acontece a toda hora
aliás, é coisa rara

Há quem passe a vida sem saber
naquela impressão vazia
uma incompletude constante

Mas minha metade está comigo
faz-me inteiro, completo eu

Mas a composição deste gigante
traz, além você e eu
um pequeno espaço
um momento de manutenção
um lapso onde somos apenas

Onde existimos como sós
para sermos ainda mais nós

Monitorar este espaço sempre
Para que permaneça pequeno
Apenas para que o ar circule
Que seja mínimo e fique assim

É saudável em pequenas doses
envenena quando cresce
não pode tomar vontade própria
rédeas curtas, olhos vivos nele

Que respiremos o ar fresco
e que nosso único veneno
seja a paixão embriagante
há tanto e para o nunca mais!

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

É importante


As principais respostas
não estão no pátio da empresa
mutinacional de sucesso
onde mora aquele seu sonho
de consumo confesso

Nem em nenhuma prateleira
de nenhum departamento
daquela loja de grife
que vende a marca esperta
muito fora de seu miúdo cacife

Nem nas pedras contra as vidraças
ou nas bandeiras e nas faixas
não está no grito rouco
das ruas, marquises ou calçadas
nem no palácio, tampouco!

O que interessa de verdade
ao rico ao mendigo ao policial
e à mais alta autoridade
será a todos do mesmo modo, igual
e aí patente ficará a autenticidade

Com a porta fechada
e de frente com o espelho
ou no colo de seu deus
que se fez em travesseiro ou
ainda sob o olhar incrédulo do chuveiro

Sem rima e sem verso é que se vê
abra a boca e diga sem medo
as respostas todas estão em você

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Ars gratia artis


Momento único
um flash pequena explosão
corte preciso ângulo reto
sem rebarba gume afiado
na mão do profissional
pincel preciso na tela virgem
a estocada do virtuosi
solando direto no ouvido
suave som zunindo
solavanco do maestro
na edição perfeita
o clic exato

E de uma só vez
é que se vê quem sabe
E o quanto tempo se leva
a fazer sem ensaio
o que ensaia-se
uma vida inteira
para ser feito?

Olha o prazer
da facilidade de fazer
como se não fizesse
e fazer como se o se
não houvesse
assim de pronto
um corte, um chute
e o gol, fácil assim...

Ela te fascina te atrai
quando performa
como quem não quer
existe fora
para os sentidos todos
e dentro de todos
e de cada um
no aplauso, na lágrima
no riso, no arrepio
encontra ao entrar pois
a mesa posta
e a cama pronta

domingo, 11 de agosto de 2013

Não se preocupe


Quando eles chegam
já estamos prontos
espera-se pelo menos
e se não estivermos
não tem problema
treinaremos durante o jogo e 
estudaremos durante a prova
E que prova!

Esqueça os limites
que achava conhecer
esqueça a vida
que viu a té aqui
os cálculos virão agora
de uma nova matemática
e um outro diapasão
para cada instrumento

Assim que nasce um
surgem dois novos

Novas regras, novos alvos
novas prioridades
Sua vida nova de novo
e não se preocupe

Vai dar tudo certo
Um novo Certo
Um novo Tudo
Mas Tudo Certo

segunda-feira, 22 de julho de 2013

O Telefonema


Saudade de você
Vontade de te ver
só ver, olhar mesmo.

E reparar enquanto imagino
O porquê d'eu gostar tanto de você
Nem conversar nem tocar
ver, ouvir talvez

Saudade de ter você nos meus olhos
Olhar assim só e então sorrir

Eu falei que estou com saudades suas?

É, Foi a saudade, a Saudade
Ela não é feliz e nem é triste a Saudade
Ela é própria, é bela e feia também

É só saudade e sentir saudade é bom

E é bom ter alguém
pra ter saudade desse alguém!

Saudade tem poderes mágicos
reaviva a vontade e faz lembrar os porquês
a se perderem o tempo todo no Caminho dessa vida

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Lindo dia

O dia está lindo
e eu estou triste
Pensei em nós dois
e em algum humor
que se perdeu

A vida anda chata
como não deveria ser
mas o dia está lindo e eu triste

Há alguma beleza
que não sei na tristeza
O Poeta ensinou
o triste flerta com o belo
o tempo todo e o Tempo
que nunca é todo e nem
sempre suficiente apenas
assiste enquanto gira
sobre as cabeças

O dia está lindo
é inverno e os cachecóis
saem passear neste Dia
que vai assim, lindo...

Vejo a tristeza para sentir a beleza
Aprendi

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Pena


Deve ser o frio
mas pode ser a chuva

Pode ser a saudade
ou ainda o desejo

Quem sabe seja o céu
ou o mar infinito

Fica ali entre o vento
e a asa, talvez

Entre o topo do firmamento
e a base o horizonte

Ou na vassoura do gari ou
nos guardanapos do Fasano

O frio, o arrepio

Vagando entre a história
e a completa mentira

Alguma coisa assim
Fome, vontade de comer

O útil e o agradável
Sede, vontade de beber

Nalgum lugar dentro
da nuvem brilhante ao sol

Pintando a tarde
Duma cor morna

E de alguma forma secreta
faz valer a pena
A Pena.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Naturalmente


As vezes a vida oferece
outras ela obriga e
fica por nossa conta
atender ou omitir-se
diante da natureza

Natureza viva que vive
muito longe das paisagens
não conhece o bucolismo
lagos, cachoeiras, campos
e florestas não viu

A natureza em estado puro
assim dentro da gente
e a gente que sente
mais do que deveria

Natureza da dinâmica
dos humores, da mecânica
das coisas e da pressão
que aumenta e alivia aqui

Engenheiros de tudo isso
ficou a nosso encargo
encarar a mestragem
desta obra até a cumieira
desde as fundações, natureza
em extinção, natureza humana.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Desimportante


Poeta e esta
grande criatividade
e esta invenção
este engenho todo
e a imaginação
esta inspiração
que te sufoca
te pune te acusa
e te espreme
o que te exprime
e oprime e engana
sem dó

E absorve sem paga
e exige o que você
não tem pra dar
e que te rouba para
o sono e sonho enquanto
a vida passa insone

E quando vai e finge
dizendo não voltar
ainda sim aprisiona
te submete e capricha
no peso dos grilhões
e aqueles nós cegos
surdos mudos, burro.

És triste, Poeta?

Subjugado cativo
ferido cansado Poeta
vivendo de esperanças
em conta-gotas
não reage e ainda
pergunta: pra quê se
consegue pensar, esse luxo

Criativo inventivo
engenhoso burro imaginativo
inspirado triste
Poeta afinal
Poeta no final

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Elevador


                

Afobado, perdido em seus horários e afazeres, submerso pelo trabalho em seu ritmo desumano, entrou sem perceber no elevador, décimo quinto rumo ao subsolo três e de lá para qualquer lugar de onde traria mais dinheiro.

Desviando-se de pensamentos inúteis como com que companhia aérea viajaria naquele ano ou sobre o último lançamento de sua montadora preferida, seguindo sua gravata tomou lugar no elevador vazio, no canto de costas para o espelho.

Assim que as portas fecharam-se, é bem verdade que somente seu corpo estava lá e sua mente já estava no destino, junto do cliente portando o talão de cheques, respirou.

As primeiras duas vezes foram pela boca, quando a cabine despencou levemente respirou pelo nariz e assim como um soco sentiu o perfume, um perfume que conhecia, um cheiro de sonho, de desejo, saudade, um soco no nariz.

Por um instante bem mais longo do que o necessário ele esteve em três lugares ao mesmo tempo, como um choque elétrico, como uma experiência religiosa, uma morte instantânea, estava ali com o corpo em algum lugar entre o décimo quinto e o décimo quarto, a mente nos negócios e a alma no passado.

O olfato é um sentido traiçoeiro, algumas vezes desenvolve vontade própria, vida própria. O nariz faz acordos espúrios com a memória, com os pensamentos e com os sentimentos, é certo que de seus acertos pouco sabemos.

O olfato pode controlar outros sentidos se quiser e desvia, cria, engana, fantasia...  Não se engane, cuidado. Tudo isso ele pensou em menos de meio segundo mas ali tudo o mais se tornaria relativo, despencando entre um andar e outro, vinha com a rédeas nas mãos e fustigando com força o perfume dela.

Ressurgiu ali alguma coisa que o Tempo prometeu que estava morto e pelo que fora registrado oficialmente ocupava um túmulo frio fazia muitos anos. Estava ali na frente dele impondo-se uma lembrança saudosa, musculosa, atrevida.

Imaginou um leve abrir das portas em algum daqueles andares sisudos que traria o sorriso franco desapercebido, despreocupado, descuidado e levemente desgrenhado dela.

Ele descobriria logo que sua viagem nem pelo térreo passaria.

Quis, aliás, entre o décimo segundo e o sexto andar, talvez de um modo como há muito não desejara, que ela estivesse ali próximo, no prédio ao menos. Talvez, quem é que pode saber se a encontraria na recepção, no estacionamento ou na calçada, para olha-la ao menos, pra lembrar mais.

Juntou, organizou, catalogou, limpou e revisou toda sua coleção de memórias, aquelas que julgava perdidas e que agora ocupavam a prateleira central e percebeu que aquele cheiro agora estava morando em seu nariz por tempo indeterminado.

Tentando livrar-se daquilo que tanto tempo demorou a deixar quieto, chegou ao subsolo.

Ainda sentindo-se traído, saiu automaticamente do elevador, estava só no estacionamento, as portas frias fecharam-se lentas às suas costas.

Foi até o carro e num tranco tentou abrir a porta trancada ainda, quando enfim conseguiu entrar sentou-se e fechando os olhos respirou devagar, bem devagar.

O cheiro estava ali era ela de novo, e ele podia perceber só agora, era ela ali ainda.
Deveria ser só um perfume, mas era uma caverna profunda e a esta altura estava ele lá sentado no fundo dela sem saber se queria ou mesmo se podia sair.

O telefone tocou, ele atendeu, falou, ouviu, deu partida no carro e seguiu seu rumo.

Partiu feliz por descobrir que ele tinha sim, ao contrário do que pensava, coisas pra se lembrar.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Encomenda


Vamos precisar de bem mais coragem do que isso!
vamos precisar de maturidade, perspicácia
um tanto de descaramento, dum pensamento rápido
uma porção de inteligência e pitadas de burrice.

Paciência o quanto estiver disponível
boa memória e amnésias específicas.
Precisaremos de bastante fôlego e de pontaria também.
Um bom par de botas e um martelo.

E acho que isso basta. Podemos ir.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

A Falta

Conversas de jardim - Saul Carvalho
Saudades suas
estava mesmo
querendo falar
falar contigo
coisas guardadas
pra hoje e
é esta sem dúvida
a ocasião.

Nossas conversas
fazem falta
e o silêncio
companheiro que
cá entre nós
entre nós
sempre disse
tudo ou quase
que deveria ser
dito ou mudo

Silêncio esse
de nós dois
entre nós que
desatasse estes
nós que mesmo
cegos viam
tudo aquilo
ou nada disso
que vive calado
cá no peito

Senti falta
você faz falta
a falta que faz
em diminuir
ou parar o tempo
este ritmo louco
nesta falta
não paro mais
não diminuo a batida

Vem cá então
sentemos ouçamos
e falemos ou calemos
nesta falta
de nos dois

Sinto sua falta
esta falta
pontuda incômoda
Vem conversar
comigo, vem!

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Mimese

Jorge Mestre Simão
Mania minha
viver imitando
imito a vida
e sigo simulando

Se minha sina
consumir a vida
minha vida essa
terá sido
imitar a vida
sendo como se
fosse viva
a vida em poesia

Fazendo parecer
ser vida mesmo
vivida em verso
de tudo isso
imitada em reverso
ou vice-versa
ou nada disso

Vivo a própria
imitação de ser
quem não se é
havendo assim
o que não há

Saindo sem saída
se essa for
pois minha vida
terá sido então
muito bem vivida
em Verso e Poesia
por que não?

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Avulsas



São o escafandro e o fundo do oceano
as asas e o céu e o vento

Entidades que ora morrem ora assumem vida
fundamentais superfluidades

Organizando-se em um leve desalinho
vindo como quem se vai, desafiando
delimitando limites desconhecidos

Covardes corajosas ambiciosas medíocres
Aproveitam-se da velocidade para terem sorte
Minhas, minhas minas, minhas pepitas

Culpadas por tudo
são apenas espelhos
Muito antes de que eu me desse conta
elas já estavam lá
pululando no peito cá
na cabeça em mim em tudo

Não escondi nada, é tudo público
bastava ter olhado
ouvido, sentido, esperado pra ver

Mas aprendi que elas existem
é com isso que devo contentar-me

Vapor enfim, nada mais
Palavras e o ponto-final

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Submarino



Imaginei, enquanto te olhava
ali deitada na folha antes de existir
como quem cochila desapercebida
descuidada de tudo, alheia ao tempo ou vento ou sol
pra que é que servia

Esta infinita demanda minha de encontrar
porquês, comos, quens e ondes
atrevi-me a encontrar em ti utilidade, nem sei pra quê
mas tentei, perdoe!

Quem sabe seja isso mesmo
você me sirva para tirar o foco
ou pra, quem sabe, ajusta-lo apenas
ou ainda sirva para nada

A roda viva dessa vida não permite o nada pelo nada
Afinal o nada tem que trazer em si um bom motivo
e quem sabe você tenha em si o nada
justificado de alguma forma mágica

Mas esta busca não é justa
Utilidade para algo tão nobre
que se justifica apenas por existir
especialmente para mim
que te tenho em tão alta conta...

Hoje neste incrível mundo
construído escrevendo juntos
vejo o quanto preciso

Por muito só teus pés quebrados
foram meus pés sem rimas
minhas únicas pernas minhas únicas asas
meu divã em desequilíbrio
desequilibrado, desequilibrando assim...

Submarino que me dá o fundo de mim
Minha folha & minha pena, poesia.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Busca perfeita busca


Behind Glass - Ralf Graef
A ânsia mais natural
é produzir a obra da Vida
de uma só vez fazer surgir
o que não foi jamais

Pensar forjando em letras
o pensamento definitivo
a ferramenta fundamental
a obra prima máxima

Em síntese a beleza última
sumário da profundidade irrevogável
Promover do espírito, alma e corpo
o encontro decisivo

O fim, o encontrar daquilo
em que a busca encontraria termo
e dormiria inocente
com o sentimento de dever cumprido...
A busca não dorme e nunca é inocente!

Gênios são assim classificados
na busca e jamais no encontro
São o que são na construção
e não no arremate
Geniais pela possibilidade aberta
de serem ainda mais geniais e de novo
e não na porta fechada
na questão respondida

- Não precisamos resolver nada.

O segredo então, quem sabe
esteja na perfeição da busca
no caminho, no processo, no trabalho
e não no perfeito, no acabado, no entregue

Não sou genial e passo longe da perfeição
não há quem seja gênio ou perfeito vivo
Vivo em busca, tentando
Testando, tateando meus escuros
buscando achar pra não encontrar, assim.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Perguntam

Lights in Chicago, Satoki Nagata

Perguntam o que quero
o que eu quero
e pedem-me pra explicar
identificar necessidades dificuldades
e culpados e me perguntam o que quero
Querem saber o que eu acho
saber o que sei e como vejo as coisas

As coisas, as coisas, fazem coisas
Preparam listas e organogramas
e querem saber o que eu quero
Perguntam sem olhar, perguntam!
Eu me pergunto o porquê.

Sonham com um relatório pra entender
Ignoram o cenário, a música, a luz e o olhar
Subestimam circunstâncias e perguntam
Achando que a solução estaria num roteiro
Magia que, seguida à risca, salvará
resolverá à tudo, à todos e a mim.

Acontece que o sentimento é
Ele não cabe no livro de autoajuda
Na cartilha ou na sala de aula
Não se resume numa explicação
nem mesmo em todas elas

Acontece assim, sempre foi assim
Mas perguntam mesmo assim
Ainda insistem assim
- O que você quer?

Muito infelizmente isso tudo
ainda mais pra mim
que valorizo tanto a dúvida e pergunta
por mais que exercitemos
esta será uma daquelas perguntas sem resposta.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Simplificando

Com o passar do tempo
e o constante aparelhar-se
em que nos metemos
mais e mais, especializados
em tudo e em nada também

Quanto mais a gente sabe
neste fluxo sem fim
informações, notícias e dados
descobertas, magia, estudos
e outras inutilidades


A mente exercitada ao limite
fortalecida e nutrida com esmero
acaba por tomar proporção
desproporcional à sua importância
reduzindo assim a musculatura do espírito

Então a alma, única em nós
a ratificar-nos como humanos
atrofiada, esquecida nesta omissão
pensa no porquê é que ainda existe
se existe, o coração

E no papel em que foi colocada
a mente cada vez mais
inteligentemente burra
esquece de primeira como é
que se simplifica uma vida

quarta-feira, 13 de março de 2013

Areia de Sonho



Há muito tempo, um tempo
que o Tempo já se esqueceu
quando eu era criança
amigo íntimo da felicidade
morava numa cidade chamada Sonho

Lá havia praias de areia branca
muito branca e muito fina
a areia de Sonho
confortável areia minha

Antes de partir, talvez sabendo
o que o destino me reservava, não sei
tomei um pouco da areia branca
e fiz a ampulheta de uma vida

Ampulheta da branca areia de Sonho

Objeto pequenino a correr parado
que me socorre e me salva
a passar os grãos devagar
e me redimir a dor que não passa
e aplacar a saudade implacável

Os grãos brancos da areia de Sonho

Sonho me ensinou já na infância
a não temer nada nesse mundo
mas hoje meu único medo
é o maior medo desse mundo

Tenho medo da ampulheta se quebrar

quarta-feira, 6 de março de 2013

Querer sempre

Ás vezes eu não caibo em mim
Nem sei bem se sou eu mesmo
ou se aquilo que não cabe
é só o que sinto aqui
Eu sinto aqui fundo e forte

É o mais profundo mar
O mais impetuoso vento, ondas e velas
e portas a bater e cortinas a voar
A areia e as pás do moinho
a assobiar e zunir em mim assim


Sinto cá comigo, tanto que nem sei!
E enlouqueço explodo e implodo em mim
quieto ou não mas quieto sim
pois é o que me resta, restou
é como estou, como sou

Assim como quem não quer nada
Querer? Sempre!

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Acordo



Fica então combinado entre nós acertado
como se fosse de alguma forma
pré determinado um destino
como que escrito na pedra agora coberta pelo limo
tecido aos poucos pelo caprichoso tempo

Nosso acerto dita pois que mesmo antes
de nos conhecermos, muito tempo
se é que o tempo entra nessa conta
antes, bem antes já nos conhecíamos
e quando encontra-mo-nos isso tudo já havia
e já havia há muito, tanto que nem sei

Se foi in medias res esse nosso encontro
que encontrou uma amizade começada
e se já iniciou-se assim começada
há de continuar mesmo depois de terminada

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Contudo



Como o dia nasce assim sem querer
Como que de surpresa me veio, já sabendo
Uma lembrança muito clara à minha frente
Um pensamento de cristal que refletiu o quadro
Onde a gente se beijava e era feliz
Apesar do tempo

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Reticências...



A vida se escreve em reticências
Entre um ponto e outros nós
Festival de definitudes
Em formação indiana
Quem puxa a fila é Ele: o Tempo
Marcando a marcha
Do jeito particular todo dele
Trotando a pisar o vento
Sem deixar espaço pra vacilos
Não aceita arrependimentos
Por enquanto isso
A vida assiste impassível
Como quem aguarda pelo final ansiosa
Onde (quando) tudo se resolve
Pela dor ou através do prazer não importa
O acordo mais bem amarrado
A Vida, o Tempo, a Dor e o Prazer

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Ao poeta apaixonado



Um dia ele acordou por acordar
de um modo como queira
sem barulho, sem sobressalto

O dia era o mais belo jamais visto
jamais lembrado, pelo menos
um lindo dia para enganar-se redondamente

Sua disposição era diferente aquele dia
coragem, determinação, ousadia
ousadia tanta que ousou em sentir Alegria

Em meio a tantos ventos favoráveis
foi além e decidiu abrir mão
desapegar, dispensar, livrar-se

Pensou em nunca mais paixão
sonhou e, realizar o impossível
num dia com aquele seria possível

- Não é possível que não!

Escrevera então como acordara
por si só, sem motivo, sem motor
voaria, sem asas ou sem vento mesmo

Libertou-se então
saiu feliz na rua descalço
peito aberto, ao sol, ao ar, à vida

Depois frente a pena e a folha
inclementes feras famintas
redescobriu-se, bobo.

Voar sem asas
num céu sem ventos
O poeta sem paixão

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O famoso Palhaço



Ouvi falar de você, Palhaço!
Muito sei de sua fama
ela o precede em muito

Palhaço da cara pintada
Atrás deste nariz vermelho
debaixo desta peruca azul
dentro deste paletó folgado
calçado nestes sapatos enormes

Sob esta armadura, Palhaço
nada o atinge, é invencível
o ridículo não alcança, nem a dor
o medo ou o frio de estar sozinho
O Super-Palhaço

Conheço-te além de tudo isso
Carregas o mundo e ri
Ri de si mesmo, feliz
onde é muito mais engraçado

Sua bengala arma mortal
com que se defende
neste picadeiro permanente
cercado de leões
É de aço mas é de palha, Palhaço

Anda caprichosamente passo a passo
Devagar e de mansinho com cuidado
vai assim pisando de levezinho, Palhaço
tirando o peso do passo

Sabemos da sua sina de chorar
abafado pelo riso rasgado
voltar para o camarim e sozinho
tirar a maquiagem e o nariz
e a roupa colorida e a peruca
e já sem os sapatões
de frente com o espelho
encarar a própria cara lavada

E não se esqueça pois
existe atrás do nariz redondo
sob a peruca crespa
dentro do paletó de colarinho caído
há aí um coração que bate vivo
Vivo, um coração mesmo
mesmo que coração de Palhaço.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Taças de cristal



Em nada isso aqui se parece
com aquilo que imaginei que fosse
e que se prometeu há séculos
e que fez a vida parecer ter sentido

Mas eis que havia então uma promessa
na qual o verde prevalecia
e o doce e o suave viver
como que uma eterna tarde laranja
de leves brisas e sorrisos
na iminência da noite perfeita
digna das poesias de verdade

Mas, este imortal...

Mas promessas são taças de cristal
numa mesa de jantar posta
para o banquete dos chimpanzés

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Ser o que se é



Vida em que se anda como que vivo
sobre uma linha sempre em frente
a linha e os pés sobre a linha

Formidável areia que escapa
por entre os dedos um pouco
e a cada dia mais todo dia

Exercício quase assustador
juntar o que se foi com o que se é
e assim fingindo coerência

Fazendo força pra não dar na cara
essa dor que se sente e de repente
tendo que esconder arremedando
de indiferença a alegria que se tem
mesmo que uma efêmera felicidade

Entender porquês por métodos próprios
mesmo assim, e seguir crendo em sí
e se for o caso em algo maior
como um rinoceronte cor-de-rosa

Encontrar seu mote
e ajustar ao seu jeito

E quando ser o que se é
passa a ser uma escolha de quem é
a vida pode ter bem mais graça

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Sendo



Então é culpa nossa
sermos assim como somos?
Ou seria uma entidade independente
este tal humor?
É ele o porteiro d’alma
que deixa passar ou barra como quer?

Sou então como uma flâmula pequena
tremula com ao sabor do vento e vou
virando pra cá, pra lá com a brisa

Culpe-me por pensar e sentir e
sentir o pensado pensar o sentido
mesmo que sem qualquer sentido sempre

Se estou bem ou poderia estar melhor
ou pior, que diferença isso faz?

A culpa é minha e
não me sinto culpado por isso

As responsabilidades de minhas irresponsabilidades
recairão sobre mim todas, quem bom!
Assim como cada pequena consequência
de minhas inconsequências que quero integralmente

Em cada cor e em cada dobra e em cada detalhe
Naquilo em que me repito e me replico

Sou então um espelho que se quebra e
que em cada caco vai tornar-se um espelho outro
com sua própria reflexão dessa bagunça toda